14.5.03

Caindo os pedaços

 Marcelo acorda sobressaltado, sentindo-se estranho e incomodado. Olha para o rádio-relógio que repousa sobre o criado-mudo e constata, apesar da visão embaçada, que o mostrador digital exibe exatas 4h32. Acredita ter despertado de um terrível pesadelo, pois, apesar de não se lembrar do sonho, percebe que os lençóis estão completamente molhados.


   -- Devo ter suado um bocado essa noite -- pensa Marcelo.


   Levanta-se com dificuldade, devido à sua idade já um pouco avançada, e caminha em direção ao banheiro. Durante o trajeto, percebe que algo corre para baixo em sua perna esquerda, por dentro da calça de pijama que está usando. Uma pontada de desespero toma conta de Marcelo, afinal, pode ser uma barata que entrou em seu pijama enquanto estava dormindo, e para Marcelo, não existe coisa mais abominável que baratas.
  
 Chega ao banheiro e acende a luz, ainda olhando para o chão, com o intuito de matar a maldita barata, assim que conseguir enxergá-la. Porém, para seu espanto, percebe que aquilo que repousa no chão não é uma barata, e sim, seu pênis.
   
Espantado e não acreditando naquilo que estava ocorrendo, levou as mãos aos olhos e esfregou, achando que o que vira fora apenas uma horrível ilusão de ótica, provocada pelo sono. Talvez não devesse ter esfregado com tanta força, pois seu olho esquerdo se desprende de sua face e cai diretamente no interior do vaso sanitário, que ele, como todo homem que se preze, havia deixado aberto.
 
  -- Meu Deus do céu !! -- exclama Marcelo -- Estou literalmente caindo aos pedaços !
 
  Mas o pesadelo real de Marcelo ainda não havia terminado. Ao olhar para o espelho do banheiro, agora utilizando apenas o olho direito, Marcelo foi tomado pelo terror. Pensou ter finalmente enlouquecido. Custava-lhe acreditar, e por pouco não esfrega o olho restante.
 
  Não, seu olho não o enganava, estava realmente derretendo.


   Seu rosto agora era uma massa disforme: o queixo, antes curto e arredondado, estava fino e alongado, quase tocando seu peito. Gotas de um líquido alaranjado, talvez pela mistura de pele, carne e sangue, pingavam na camisa do pijama.


   Apavorado, Marcelo tentou correr, porém escorregou no chão do banheiro, demasiadamente liso devido ao líquido que escorria de seus pés descalços.

  Seu rosto bateu com violência contra o chão, e após um esforço sobre-humano, Marcelo conseguiu apoiar-se nos cotovelos e percebeu que seu nariz, que reinava solene no assoalho, mais parecia uma ilha, pois o líquido que se desprendia de seu corpo rodeava o nariz por todos os lados.
  
 Um barulho de água começava a surgir atrás de Marcelo, que demorou alguns segundos para entender que, na verdade, tratava-se de seu corpo liquefeito escorrendo pelo ralo.
 
  -- Até que o desnível desse banheiro foi bem planejado, o líquido escorre direitinho para o ralo... -- foi o último pensamento de Marcelo.

   Na Manhã seguinte, Josicleide chega ao apartamento de Marcelo às oito horas da manhã, para iniciar a faxina diária. Ao chegar ao quarto, percebe que os lençóis brancos exibem uma suntuosa mancha alaranjada.


   -- Seu Marcelo deve ter ido pra bagunça de novo... Já disse pra ele que ele não tem mais idade pra isso. No mínimo bebeu cerveja e Uísque demais e acabou fazendo xixi na cama.
 
  No banheiro, Josicleide encontrou uma bagunça considerável. Manchas, que ela presumira ser de urina, espalhavam-se por todo o banheiro.
 
  -- Ele devia estar com tanta ressaca que largou pijama no chão do banheiro e nem descarga deu... Pelo menos conseguiu fazer um pouco de xixi dentro do vaso... -- refletiu Josicleide.

   Josicleide nunca mais encontrou seu patrão. Recebeu seu último salário da família de Marcelo, que ainda hoje preserva a esperança de encontrá-lo.

0 comentários: