5.10.02

É dia de votação

Juvenal acorda às quatro e meia da manhã, como de costume. Sabe que domingo é dia sagrado, almoço em família com direito a oração e tudo. Pelo menos em um dia da semana Juvenal consegue comer comida quente, afinal o emprego de bóia-fria não lhe proporciona tanta mordomia. A caminhada até a cidade leva pelo menos duas horas, precisa se apressar...

Juvenal veste sua melhor roupa e sai. Sua mulher, Zulmira, permanece dormindo, como em todas as eleições. Já não vota há mais de quinze anos.

-- Além de anarfabeta, essa fia duma quenga ainda é preguiçosa ! O que custa ir lá, fazê o seu papel como cidadona ?? - Resmunga Juvenal, mesmo sabendo que ele mesmo não sabe o que é ser cidadão, já que sobrevive com seu salário de R$ 8,00 / dia, sustentando 4 filhos.

Juvenal caminha pela rua de terra em direção ao bar, seu filho mais velho, Washington Creysson e a esposa, Margareth estarão esperando por ele. -- Como é bão tê um fio que é doutô lá na cidade grande !!! Tem até artomóvi, o menino... - Pensa Juvenal.

Encontram-se todos no bar e partem para o colégio eleitoral, a bordo do Corcel 73 de WC.

Juvenal está muito impaciente, já que é a primeira vez que vota usando uma urna eletrônica. -- Coisa muderna essa aí, liga até na tumada ! - Juvenal nunca teve luz elétrica em sua residência, um quarto e sala de pau à pique que ele mesmo contruiu.

Seu filho, homem letrado, que cursou até o segundo ano de primário e é servente de pedreiro em São Paulo, entra primeiro na cabine de votação. Acostumado com essas "parafernálias eletrônicas" da cidade grande, vota rapidamente e abre espaço para Juvenal encarar a "máquina da modernidade"...

Juvenal adentra o recinto, entrega seu título de eleitor ao rapaz de camisa xadrez e encaminha-se à cabine de votação. Lembra bem do que seu filho disse: -- Pai, o sinhô aperta os butão preto e dispois aperta o verde até o final.

Juvenal vota tranquilamente e, pisando duro, com o queixo levantado, brada: -- Troço besta ! Fica apitando... Inda tem gente inginorante que num sabe nem votá !!! Vê se pode !

Juvenal fez seu papel ! Votou ! Não sabe pra quem, afinal "esses pulítico é tudo a mesma coisa".

Não sabe a proposta de nenhum candidato, mal sabe o rosto de cada um. Viu de longe seu patrão lendo uma revista com as fotos dos candidatos na capa. Mas fez seu papel de cidadão, votou ! Ajudou a decidir o futuro do país !

E segunda-feira, Juvenal vai acordar novamente às quatro e meia da manhã, pegar sua marmita, subir no pau de arara e ir trabalhar.

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