Eu aguardava pacientemente no saguão do prédio enquanto o elevador descia os 22 andares até o térreo. Eram 3 elevadores naquele edifício, mas como de costume apenas um deles estava funcionando naquele momento. Apesar disso, eu era o único a esperar o elevador, mesmo sendo um horário em que geralmente o tráfego de pessoas no edifício é intenso.
Na verdade, eu não era exatamente o único ali. Havia um senhor de terno e chapéu pretos, encostado na parede próximo a um dos elevadores que não estava em funcionamento, o mais distante do único elevador a funcionar. Talvez estivesse esperando por alguém, pensei, e não dei muita atenção.
Alguns minutos depois, o elevador chegou ao térreo. Para meu espanto, a porta abriu e não havia ninguém dentro. Encaminhei-me para o elevador e foi então que ele disse, em um tom de voz calmo, porém firme:
-- Ei rapaz!
Instintivamente, segurei a porta do elevador e olhei ao redor. Imaginando que alguem estivesse pedindo para que eu segurasse o elevador. Não vi ninguém, além do senhor vestido de preto.
-- Estou cansado disso. - Disse ele
Ainda sem entender, olhei em sua direção, abri o meu melhor sorriso tentando ser simpático e disse:
-- O senhor vai subir?
-- Não, meu rapaz. Não vou a lugar algum. Mas estou cansado de ser ignorado. - Disse ele, caminhando na minha direção.
-- Desculpe-me... Não entendi. - Respondi, meio desconfiado e já sem o sorriso estampado no rosto.
-- Eu disse que estou cansado de ser ignorado. Tudo bem que eu estou aqui, mas mesmo se eu não estivesse, ninguém se importaria.
Pensei em simplesmente entrar no elevador e apertar o botão para fechar a porta, mas ele já estava próximo demais e conseguiria interromper o fechamento da porta do elevador. Se ele fosse algum tipo de maníaco homicida era melhor não irritá-lo, e sim tentar apelar pra psicologia.
-- Err... Bom dia! - Disse eu, estampando novamente o sorriso, desta vez um pouco amarelo - Estava com a cabeça na lua. Que falta de educação a minha. Deveria tê-lo cumprimentado.
-- Não é disso que falo, rapaz. Estou dizendo que ninguém respeita os avisos. Me desdobro para conseguir estar em tantos lugares ao mesmo tempo, mas as pessoas não dão a mínima.
Ainda sem entender, percebi que não havia mais saída. Restava-me ouvir o que ele tinha pra dizer, deixá-lo desabafar e torcer para que eu saísse vivo dessa loucura.
-- Veja, mandei até fazer essas plaquinhas, mas ninguém a entende. - Continuou o cara do chapéu - Ninguém verifica se estou aqui.
-- É complicado, não é mesmo? - Perguntei, meio que pisando em ovos.
-- Por favor, apenas me diga que daqui em diante você irá verificar, sempre. - Disse ele num misto de ordem e súplica.
-- Mas... Mas é c-claro senhor! Pode contar comigo! - Gaguejei.
-- Muito obrigado, meu jovem... - Ele estendeu a mão para mim e perguntou - Qual é o seu nome, rapaz?
-- Eduardo, senhor. Pode ter certeza que irei verificar sempre! - Ainda sem ter certeza do quê.
-- Obrigado, Eduardo. Fico muito feliz com sua colaboração. Bom dia para você.
Ele voltou para o canto onde estava, cruzou os braços, olhou em minha direção e sorriu. Entrei no elevador, apertei o botão do 8° andar e ainda meio sem entender, fiquei olhando a porta do elevador se fechar diante de mim. Segundos antes da porta se fechar por completo, num impulso apertei o botão de abrir a porta, coloquei a cabeça para fora do elevador e perguntei ao senhor de preto: -- Desculpe-me senhor, mas qual é mesmo o seu nome?
Ele novamente sorriu e disse: -- Meu nome é Mesmostóles, meu jovem. Mas prefiro que me chamem de Mesmo.
20.5.09
Elevador
19.5.09
Moto
Desde criança sou apaixonado por motos. Talvez por ter crescido em meio a elas.
Meu pai sempre foi motociclista e meu irmão, cinco anos mais velho que eu, ainda adolescente ganhou uma "cinquentinha" dos meus pais.
Aos finais de semana adorava ir com meu pai à padaria, de moto, só para segurar o guidão e sentir a sensação do vento na cara.
Quando eu tinha meus dez ou onze anos, lembro que um dos amigos do meu irmão tinha uma CB400. Moto linda, potente, 400cc. Um canhão! Lembro que certa vez ele parou com aquela máquina próximo de nós e pude ouvir a moto "estalando", comportamento normal, já que o calor expande o metal e ao desligar a moto, com o resfriamento, ouve-se os estalos característicos da contração do metal. Mas para mim, ainda menino, era como se a moto tivesse vida, nervosa por estar parada, desejando rodar sem parar. Nesse dia pensei comigo mesmo: "Será que um dia terei uma moto grande assim, que estala?"
O tempo passou, meu pai teve sua CB400 II, ainda mais bonita que a do amigo do meu irmão, além de outras motos.
Nos mudamos para São Paulo e a tal cinquentinha acabou virando mais minha que do meu irmão, que usava bastante a XL250 do meu pai.
Sempre que podia, meu irmão me levava para dar umas voltas de moto e deixava que eu pilotasse um pouco. A sensação de trocar as marchas era maravilhosa, coisa que eu não experimentava com a minha cinquentinha.
O tempo passou, meu irmão comprou uma CB450 dourada. Motão! Tive uma oportunidade de pilotar aquela moto, voltando com meu irmão de um dos treinos de Fórmula 1 em Interlagos. Não acreditei quando meu irmão disse que eu poderia voltar pra casa pilotando. Estava nas nuvens. Infelizmente, semanas depois a moto foi roubada.
Algum tempo depois, aos 14 anos, sofri o acidente que quase tirou minha vida. Minha paixão quase me matara. Imprudência minha, é fato. Como a grande maioria dos acidentes de moto, o motociclista age de forma imprudente e causa o acidente.
Meu irmão, nessa época, tinha uma RD350, chamada por alguns de viúva negra por ser uma moto muito perigosa.
Depois do meu acidente, meu pai tomou uma decisão que acredito tenha sido muito difícil para ele, principalmente por ser apaixonado por motos. Vendeu sua XL e fez de tudo para que meu irmão vendesse sua RD. Uma decisão e tanto. Difícil saber se ela foi tomada com a razão ou com a emoção.
Durante alguns anos, meus pais não podiam ver-me próximo a uma moto que já sentiam-se incomodados. Mas eu, escondido, vez ou outra pegava motos de amigos emprestadas para dar umas voltas.
Cresci e tornei-me um adulto com um sonho: ter uma moto. Sonho, pois para mim era algo intangível. Objetivos tive e tenho vários, e busco realizá-los, mas ter uma moto era um sonho, algo que parecia-me muito distante, quase impossível. Fosse por falta de dinheiro devido a outras prioridades, pela restrição que minha família impunha ou simplesmente por ter MEDO.
Minha mãe, principal opositora a qualquer membro da família andar de moto novamente, faleceu. Casei-me e contei à minha esposa a respeito do meu sonho, que por saber da minha história, engrossou o coro da minha família e foi contra.
Novamente o tempo passou e, dois anos depois de casado, disse a minha esposa que estava na hora de eu realizar o meu sonho. Para minha surpresa ela não só concordou como participou na escolha da moto a ser comprada.
Alguns meses depois, sentado em frente ao vendedor da concessionária, assinando os documentos da compra da moto, um frio percorreu minha espinha.
Eu estava morrendo de medo. Meu sonho era algo distante, que as pessoas ao meu redor ajudavam a manter desta maneira, e eu ainda podia usar a desculpa de não comprar uma moto apenas para não magoar aqueles que gostam de mim, mas minha esposa jogou essa desculpa por água abaixo.
Minha decisão havia sido tomada.
Durante uma semana, tempo que a concessionária levou para entregar a moto, eu sentia um nó no estômago a cada vez que pensava que em pouco tempo estaria sentado novamente num veículo automotor de duas rodas. E que desta vez seria MEU.
Ao deitar, ficava realizando mentalmente o trajeto da concessionária até minha casa, que momento teria que trocar as marchas, qual freio usar, como fazer determinada curva, como desviar de um buraco, etc., até finalmente pegar no sono. Era a realização de um sonho, mas era também sofrimento. Um sofrimento gostoso, de certo modo.
Em alguns momentos, cheguei a torcer para que tivesse algum problema na documentação, ou que a moto tivesse ficado indisponível, ou qualquer outra razão que fizesse o negócio ser desfeito.
Como pode uma decisão como essas ser boa e ruim ao mesmo tempo? Meu lado racional fazia-me lembrar o quão perigoso é uma moto no trânsito de São Paulo, mas também me mostrava que o risco depende mais de mim que dos outros, pois como diria o ditado: "Prudência e canja de galinha não fazem mal a ninguém". Já meu lado emocional era mais histérico... Ao mesmo tempo em que berrava ao meus ouvidos de que eu era um louco, insano, que não havia conseguido se matar na primeira vez e por isso iria tentar novamente, me enchia de elogios, parabenizando-me por ter tornado um sonho em realidade.
De fato, o sonho realizou-se de maneira mais que espetacular.
Hoje tenho em minha garagem uma Harley-Davidson.
E ainda por cima, ela estala!